Há aproximadamente 20 milhões de anos, os primatas que deram origem ao grupo dos “hominoides” (que inclui gorilas, chimpanzés e humanos) passaram a não ter mais cauda. A razão evolutiva por trás desse fenômeno ainda não é completamente compreendida, mas um novo estudo revela como uma alteração no DNA levou tanto nós quanto os grandes macacos a perderem essa característica.
Desde a divulgação do genoma humano e de seus parentes evolutivos mais próximos há mais de uma década, os cientistas têm procurado identificar as mutações responsáveis por esse grupo peculiar de primatas crescer sem cauda. Alguns genes foram previamente sugeridos como possíveis locais de mutações para essa alteração física, mas a busca até agora foi pouco produtiva. A comparação entre os genomas de hominoides e macacos com caudas, mais distantes evolutivamente, revelava muitas diferenças, mas nenhuma parecia estar diretamente ligada ao surgimento de primatas sem cauda, como os humanos.
O cientista percebeu que esse gene tinha sido “editado” naturalmente por um tipo de segmento chamado transpóson, conhecido como “gene saltitante”. Esse é essencialmente um pedaço de DNA capaz de se copiar e “saltar” para outras partes do genoma, semelhante a um comando Control+C e Control+V aleatório em um texto.
Para avaliar o impacto dessa confusão no gene, Xia e seus colegas decidiram testar a hipótese em laboratório. Ao modificar o DNA de camundongos para replicar esse efeito, os cientistas observaram que muitos filhotes nasciam com caudas encurtadas ou até mesmo sem cauda.
“Os camundongos que expressaram a forma anômala do TBXT desenvolveram defeitos no tubo neural, um problema que afeta cerca de 1 a cada 1.000 recém-nascidos”, escreveu Xia. “Dessa forma, a evolução da perda de cauda pode ter sido associada a um custo adaptativo do potencial de defeitos do tubo neural, que continuam a afetar a saúde humana hoje.”
Quebra-cabeça evolutivo
O estudo de Xia, ao se aproximar de esclarecer a transição dos ancestrais humanos para anuros, ainda deixa em aberto a questão de por que essa transformação ocorreu. A evidência de que mutações no TBXT afetam o desenvolvimento neural sugere que a perda da cauda possivelmente conferiu benefícios a esse grupo de animais para compensar o prejuízo evolutivo.
Alguns antropólogos sugerem que a ausência da cauda pode ter facilitado o surgimento de animais capazes de andar eretos, como os humanos. Embora o bipedalismo tenha desempenhado um papel significativo na evolução humana, a marcha ocasionalmente desajeitada de chimpanzés e gorilas sobre duas patas enfraquece essa teoria.
Para Miriam Konkel, especialista em genética humana na Universidade de Clemson, na Carolina do Sul, existe a possibilidade de que o isolamento de uma pequena população de primatas anuros tenha contribuído para a preservação dessa característica de forma acidental, resultando no surgimento de uma nova espécie. Entretanto, essa hipótese perdeu força, como afirmou a cientista em um artigo comentando a recente descoberta.
“Embora a causa final possa nunca ser conhecida, a pesquisa de Xia revela um novo capítulo da história da nossa cauda e mostra formas pelas quais os transpósons podem contribuir para a diversificação do repertório humano de expressão de genes e, em última análise, de características típicas dos humanos”, diz a pesquisadora.
Com informações de O Globo